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Basquianas
 

Basquianas é a primeira de uma série de micro intervenções urbanas e coletivas que propomos realizar em território específico, um prédio inconcluso no bairro Vicente Pinzón, espécie de ruína moderna, cuja estrutura composta de cinco platôs de concreto abertos à cidade, nos implica na paisagem urbana que abrange o litoral, o morro e o asfalto, criando situações onde estar, olhar, perceber, já são invenção e portanto, resistência. Duas referências, entre muitas outras, são importantes para pensar essa série de micro intervenções: a landart, compreendendo-na como uma concepção de arte onde a experiência estética é pensada a partir da relação com o espaço,  e a ideia de “crelazer” desenvolvida por Hélio Oiticica. O “crelazer” é lazer criador (não o lazer repressivo, dessublimatório, mas o lazer usado como ativante não repressivo.” (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p.185). Os trabalhos desses artistas e seus relatos, nos dão pistas da potência das experiências estéticas na invenção de si e do mundo. 

O nome escolhido para a micro intervenção é uma homenagem ao artista de rua Jean Michel Basquiat, e à série de composições de Heitor Villa Lobos, Bachianas Brasileiras, uma fusão de Bach e música folclórica brasileira. O nome é uma palavra-brinquedo, um neologismo, inventado no exercício de pintar embalagens de papelão de livros que chegavam pelo correio, pintava todas as faces e me encantava as infinitas possibilidades de composição, portanto o nome acabou por aliar-se à proposta, sugerindo o sentido de experimentação, essencial na obra de Basquiat como na de Villa Lobos, ou, como diria Mário Pedrosa (1975, p. 308) “arte como exercício experimental da liberdade”.

Basquianas n1

Basquianas nº 1
 

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Para as Basquianas nº1, pensamos numa sessão de pintura em caixas de papelão. De que modo as especificidades daquele lugar iriam interferir no modo como utilizaríamos os materiais que tínhamos disponíveis? O fato de estarmos juntos a inventar um espaço-tempo, já se constituiria uma sessão de criação, quisemos porém, brincar de conferir alguma visualidade plástica à experiência vivida, e escolhemos como suporte, um objeto abundante e rico em possibilidades, estéticas e filosóficas, com toda a conotação de consumismo e obsolescência que carregam, as caixas de papelão.

 

Estruturas palpáveis existem para propor, como abrigos dos significados, não uma “visão para um mundo”, mas a proposição para a construção do “seu mundo”, com os elementos de sua subjetividade, que encontram aí as razões para se manifestar: são levados a isso. (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p.178)

 

Des(o)rganizar as caixas, desdobrá-las-dobrá-las, pintá-las de branco, anular-lhes as publicidades, valorizar-lhes a impermanência, emprestar pensamentos às caixas, encontrar beleza nelas. As caixas tratadas foram usadas na micro intervenção de maio, quando aconteceu a primeira das Basquianas.

 

As caixas guardaram abertas, os gestos dos participadores, pois ainda que tivessem concluído a experiência com uma das caixas, elas continuavam abertas à multiplicidade, pela própria natureza de sua estrutura. “O que é bom para o lixo é bom para a poesia”, diz o poeta Manoel de Barros, em sua Gramática Expositiva do Chão (1996, p.181). Lançar um olhar de (re)invenção para  caixas de papelão, é , de certo modo, fazer poesia como propõe o poeta. Olhá-las como quem olha um brinquedo, transformá-las e querê-las bem, leito de tanta gente. Usa-se a expressão “pensar fora da caixa”, pensamos em pensar com a caixa, que as dobraduras e encaixes suscitassem imensas, ou mínimas, questões plásticas e existenciais. 

 

Éramos sete adultos, um adolescente de treze anos, e uma criança de seis anos e, além das caixas, dispúnhamos de tinta acrílica nas cores primárias, preto e branco, nanquim, pincéis, barbante, perfurador, fita adesiva. A seguir, algumas narrativas, trazendo impressões, a partir das experiências estéticas singulares e as imagens do predinho e dos participadores das Basquianas nº1

O convite para as Basquianas foi também um convite para me encontrar. Sinceramente? Não tenho nenhuma proximidade com os pincéis. O máximo que ainda consigo é fazer uma linha bem feita acima do olho. De resto, quadros, tintas, pincéis me causam tremendo estranhamento. Sinto que não tenho uma criatividade aflorada para desenhar. Não me frustro por isso. Sei de minhas limitações e do que consigo produzir. As Basquianas foi um espaço para tentativa e erro. O espaço sem paredes foi um convite a voar. De repente, me vi empolgada com linhas e cores. Construí caracóis. Depois pintei. Não me vi ali, mas senti. Este momento, além de espaço de reconhecimento de limitações também foi descoberta de que tudo se pode fazer... desde que se comece. Gostei do que fiz. Quero mais. (Amanda Nogueira)

 

Nunca tinha imaginado um ateliê sem paredes. A cidade já foi lugar de criação, mas estávamos entre o céu e o chão, entre o privado e o aparentemente público - tão integrados à paisagem que nos cercava: a cidade. E que turma mista éramos, em perfis de interesse, envolvimento e linguagens usadas. Consegui criar uma caixa de balões flutuantes que espelhasse balões de minha imaginação ao nosso redor, lentamente se movendo no céu. Depois fiquei, de novo, reparando nos processos dos outros e nos detalhes no chão, nas paredes e no teto do prédio, depois de atar minha caixa/balões ao chão. Depois lembrei que foi minha segunda vez perto deles, lá na França quase subi num balão atado ao chão, que nem minha caixa. Mas o tempo fechou. Fica pra próxima. (Fernanda Meireles)

Basquianas n1
Basquianas n1
Basquianas n1
Basquianas n1
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Basquianas
Basquina n 1 e Predinho
Basquianas n1
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Basquianas n1
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Basquianas nº 2
 

 

 

 

 

 

 

Micro Intervenções

por IntenCidades 

As “micro intervenções” acontecem como provocações em planos onde fluem as intensidades, os afetos, as intuições etc. e se constituem as invenções desviantes, entre elas, a Basquianas nº 2, realizada em Fortaleza, por pesquisadores e moradores, artistas e não artistas, em espaços não convencionais. A Basquianas nº 2 aconteceu em um prédio inconcluso no bairro Vicente Pinzón.

 

Basquianas nº 2 - Preparativos

por Aline Albuquerque

As proposições nascem delas mesmas e de outras, afirmou Hélio Oiticica. Agosto é o mês de ventos mais fortes em Fortaleza, ao escrever esse relato o verbo aventar soprou forte no teclado.

a·ven·tar

verbo transitivo

1. Atirar (o grão) ao ar para que o vento o limpe.

2. Pôr ao ar, arejar.

3. [Figurado] Mostrar, expor à vista.

4. Propor, sugerir.

5. Entrever, pressentir.

6. Ventilar, aventurar. 

A ideia de uma tarde de brincadeiras com o vento na laje do predinho, surgiu com as bolhas de sabão que em outra ocasião espalhamos lá de cima. Ao percebê-las tão potentes e sutis, a alcançarem grandes alturas, sobrevoando ruas e quintais, as bolhas de sabão eram também materialidade de pensamentos translúcidos a dizer coisas inventadas com a cidade, silenciosamente.

 

Além das bolhas de sabão, encantadoras pelas possibilidades poéticas que suas estruturas sugerem, as pipas eram outra brinquedo de experimentar a liberdade,  foi atendendo ao desejo de tantos que marcamos nossa segunda Basquiana.

Precisávamos de folhas secas de coqueiro. Buscar o material necessário pelo entorno do predinho, no bairro Vicente Pinzón, se tornou uma forma de viver o bairro, conhecer pequenos estabelecimentos da vizinhança, estendendo dessa forma a ação, em tempo e espaço, pelas adjacências. Assim tem acontecido com a aquisição de dindins, iguaria que sempre refresca nossos encontros, e que foi “garimpada” em andanças curiosas pelo bairro, e assim foi com as folhas dos coqueiros, linhas e papeis de seda que deveríamos dispor para Basquianas nº2. Outros participantes também trouxeram material. Sabrina participa do grupo IntenCidades e, nesse encontro, ofereceu sua experiência e nos orientou no fazer|saber das pipas.

 

Pipas na laje da ruína

 

Basquianas são experiências sensoriopropositivas coletivas em ambiente específico, um prédio inconcluso/abandonado, no bairro Vicente Pinzón, em Fortaleza, no Ceará. O mote de toda Basquiana parte da precariedade que a ruína urbana oferece-nos aos sentidos e à razão. Em sua silenciosa eloqüência, a ruína, como equivalente sensível de um mundo em crise, fala de urgências locais e globais, individuais e coletivas. Para Walter Benjamin a ruína é “indício de possibilidades em aberto, concretização de um mundo possível, índice de alternativas do real”. E para Hélio Oiticica “não existe arte experimental, existe o experimental”. Portanto, na sincronia dessas idéias, e ainda, compreendendo o conceito de heterotopia em Michel Foucault como a possibilidade de invenção de outros espaços, ou como proposições de outros modos de viver a condição urbana, nos propusemos uma tarde de confecção e soltação de pipas na laje.

 

As primeiras pipas teriam surgido na China em 1.200 a.C, serviram como dispositivo para mesura e comunicação. As nossas aqui no nordeste do Brasil, são feitas com a haste retirada da palha seca do coqueiro. Sua estrutura é engenho e arte, seu vôo é a liberdade por um fio. E eis que surge uma linda metáfora, a leveza, a invenção, o movimento e a liberdade que partem do caos e do abandono, poderíamos até dizer #somostodospipa, pois ainda que presos a esse mundo em crise, temos a arte como exercício experimental da Liberdade, como disse Mário Pedrosa. E me lembrei de um singelo ditado italiano que ganhei de uma amiga: dai diamanti non nasce niente dal letame nascono i fior.

 

Fomos aproximadamente 15 participadores, sendo duas crianças de 3 e 6 anos, e um adolescente de 14 anos. O que naquela tarde aconteceu, reverbera desejos e imagens poéticas pelo mundo, e em cada um de nós a alegria da experiência de um outro mundo possível. Basquianas nº 2 aconteceu no dia 1º de agosto de 2015.

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Texto introdutório e texto de apresentação das Basquianas nº1 retiradas do capítulo
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Sobre poéticas políticas - micro intervenções na cidade de Fortaleza"escrito por Deisimer Gorczevski, Aline Albuquerque, Sabrina Araújo e Cecília Shiki e publicado no livro:   Arte e Política: IV Diálogos Internacionais em Artes Visuais e I Encontro Regional da ANPAP/NE [recurso eletrônico] / [organizadores] : COSTA,R.X.; CARVALHO, L. M.; ZACCARA, M.; SILVA, M. B. E. (Orgs.); Programa Associado de Pós graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE. – Recife : Editora UFPE, 2015. p. 335-350. O livro completo pode ser acessado na aba Produções, neste site.


Texto de apresentação das Basquianas nº2 retirado da publicação no blog da pesquisa IntenCidades:
https://pesquisaintencidades.tumblr.com/post/130165406542/basquianas-2

Publicação das Basquianas nº1 no blog da pesquisa IntenCidades:

https://pesquisaintencidades.tumblr.com/post/124488869072/basquianas-n%C2%BA1

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