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M + R  | MICROPOLÍTICA E REVOLUÇÃO

Eis que surge um caminho urgente a desbravar. Focos de incêndios ameaçam os territórios de nossa pesquisa/expedição; é preciso agir sobre eles. Estamos em 2018, pós-golpe jurídico-parlamentar que destituiu uma presidenta legitimamente eleita e posteriormente inocentada, e às vésperas de uma eleição para presidente em que o candidato favorito nas pesquisas faz homenagem a um reconhecido torturador do período da ditadura militar no Brasil. O fascismo espreita a sociedade, e a sociedade flerta com ele.

 

É também o ano em que se comemora o centenário da Revolução Russa e os 50 anos do maio de 68 na França, dois marcos revolucionários que colorem nosso imaginário com a paleta onírica da utopia. E, se essa memória histórica nos move e nos comove, romanticamente, não podemos nos dar ao luxo de ser ingênuos. A ingenuidade é também um crime em tempos de ameaça fascista.

 

No Brasil, 1968 é o auge da ditadura militar, ano do assassinato do estudante Edson Luís do Nascimento, o que representou o estopim para as maiores manifestações de rua do período, entre elas, a “Passeata dos Cem Mil”. Em dezembro daquele ano foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que fechou o Congresso Nacional e inaugurou um dos momentos mais sombrios de nossa história. É, portanto, inadmissível e repugnante que, hoje, o presidente da república reivindique o “direito” de comemorar a ditadura militar, e mais absurdo ainda o fato de que esse direito lhe seja concedido. 

 

Em momentos extremos como as ditaduras, ou como a pandemia que atravessamos agora, as expressões artísticas ganham a dimensão de uma espécie de guerrilha sensível, capaz de mobilizar e, ao mesmo tempo, acolher nossa condição humana em sua complexidade. (...)

 

Como pensamos a revolução hoje? Como não deixamos de pensar na revolução, apesar da impossibilidade historicamente comprovada? Talvez por acreditarmos que a revolução seja algo também semovente, que se transforma no tempo, como os territórios que pesquisamos.

Nos acompanham nesta trilha, entre outras, as leituras de “A Revolução Molecular”, de Felix Guattari (1987) e conceitos de micropolítica, molecular e molar, assim como utopia, que circulou entre nós com as contribuições de Mario Pedrosa de 1981. 

 

Para chegar à Utopia é preciso percorrer um caminho quase que infinito. Por isso mesmo, há um paradoxo da técnica em relação à comunicação: quanto mais aumenta a tecnologia, quanto mais meios de comunicação se obtém, mais confusa é a situação, mais maleável é a imagem que se procura. Não se encontra mais um só sentido, mas muitos sentidos variáveis e contraditórios. (Pedrosa, 1981: 10).

Outra inspiração vem com “A Sobrevivência dos Vaga-lumes”, de Georges Didi-Huberman (2011). Os três nos instigam com suas críticas lúcidas e nada ingênuas, e na crença da potência (micro)revolucionária dos encontros, do convívio.

 

Ainda que beirando o chão, ainda que emitindo uma luz bem fraca, ainda que se deslocando lentamente, não desenham os vaga-lumes, rigorosamente falando, uma tal constelação? Afirmar isso a partir do minúsculo exemplo dos vaga-lumes é afirmar que em nosso modo de imaginar jaz fundamentalmente uma condição para nosso modo de fazer política. A imaginação é política, eis o que precisa ser levado em consideração. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 60).

 

Outro modo de pensar em revolução, hoje, é nos aproximarmos do pensamento de Ailton Krenak (2019), em “Ideias para adiar o fim do mundo”, e Davi Kopenawa (2015), em “A Queda do Céu”, escrito com Bruce Albert. A literatura indígena contemporânea nos implica enquanto natureza, e dessa forma não há outra saída a não ser nos colocarmos todos contra o modelo econômico neoliberal que há tempos ameaça a sobrevivência sobre a terra. Assim diz Krenak (2019, p. 49): “Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial extrativista”.


De modo análogo, quando nos omitimos do comprometimento estético e social, portanto político, com as cidades que coabitamos, liberamos a sua exploração para o modelo desenvolvimentista, que inclui uma especulação imobiliária perversa, dentre outras práticas adoecedoras impostas pela lógica neoliberal. Em meio a todas as agitações políticas que traziam à tona conservadorismo e violência no Brasil, fomos impulsionados a criar as ações Micropolítica e Revolução (M+R).

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 ¹ Texto de apresentação da M + R  compõem o artigo Artes de Intervenção, Inventar Cidades de autoria de Deisimer Gorczevski, Aline Mourão Albuquerque, João Miguel Diógenes de Araújo Lima publicado na Revista Iluminuras, v. 22 n.56 (2021). Mais detalhes estão disponível em: https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/112374

DOI: https://doi.org/10.22456/1984-1191.112374 

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