“(...) O terceiro ConversAções¹ ocorreu em maio de 2015 na comunidade do Poço da Draga, no bairro Praia de Iracema. A conversa, mediada por Fernanda Meireles, contou com as contribuições de Cecília Andrade², arquiteta e mestranda em Artes (PPGArtes ICA|UFC) que estuda os caminhos do Riacho Pajeú, e de Enrico Rocha, artista, mestre em Artes Visuais (UFRJ) e morador daquele bairro.
O ponto de partida da conversa foi justamente o entrelaçamento entre fazeres e emoções que se dá entre o linguajar e o emocionar, como afirma Maturana (1999). Havia diferentes sentidos para se estar naquele espaço para o 3º ConversAções.
Fernanda distribuiu exemplares de um zine produzido especialmente para o encontro, com desenhos, fotos e textos criados a partir de uma experiência narrada dias antes pelo próprio Enrico Rocha, via plataforma online Facebook. Durante a festa de aniversário de 109 anos do Poço da Draga, promovida pela Prefeitura, Enrico e outros moradores criticaram os animadores no palco por aproveitarem o evento para elogiar a construção de uma obra do Governo do Estado, o Acquário Ceará.
A discussão começou exatamente a partir do que o lugar instigava a pensar: as fricções entre o Poço da Draga e a sua vizinhança imediata – Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, maior equipamento cultural de Fortaleza, e os empreendimentos turísticos do bairro – e a cidade, como vizinhança estendida.
Na coletânea “Vocabulário político para processos estéticos”, Enrico Rocha (2014, p. 30) propõe uma definição para a palavra “vizinhança” que pode nos dar algumas pistas:
Cecília Andrade - arquiteta e mestranda em Artes (PPGArtes ICA|UFC) que estuda os caminhos do Riacho Pajeú.
Enrico Rocha - artista, mestre em Artes Visuais (UFRJ) e morador daquele bairro.
Fernanda Meireles - Participante da pesquisa IntenCidades. Zineira, artista visual e mestre em Comunicação(UFC).
A partir do seu lugar, possivelmente, você perceberá o lugar do outro. Sua reação pode ser de quem reconhece uma ameaça, o mundo pode estar cheio delas; ou um vizinho, o mundo pode ser uma imensa vizinhança. Diante de uma ameaça, não há muito o que fazer, ou você foge dela ou você a enfrenta, geralmente com violência. Em uma relação de vizinhança, você negocia o que é comum, as aproximações e também as distâncias necessárias.
Dialogando com esse verbete, Érico Araújo Lima (2017) pergunta-se sobre formas possíveis de vizinhança que são engendradas com o cinema em uma dupla condição: nos movimentos de vida que se dão nos espaços, nas casas e nas ruas; e nos gestos e nas interações que negociam o que é comum, entre aproximações e distâncias. Assim, os encontros pedem gestos de avizinhamento. O gesto de constituir vizinhança é compreendido como constituinte da vida coletiva, “um princípio articulador dos heterogêneos, para tornar possível a relação entre mundos antes não colocados em coexistência” (ARAÚJO LIMA, 2017, p. 54).
No ConversAções, o debate abordou o lugar que a arte ocupa no contexto urbano, de que modo as instituições relacionadas à arte participam da vida da/na cidade, onde e com quem atuamos. Histórias, geografias, mapas, memórias, vivências e vontades estavam ali sendo entrelaçados com as experiências que os participadores partilhavam, com a brisa do mar, com os ruídos de uma partida de futebol e as conversas dos moradores que caminhavam por perto.
Cecília Andrade se dedicou ao riacho Pajeú, que corre subterrâneo e invisibilizado em Fortaleza, desaguando silencioso e escondido a algumas dezenas de metros do local daquele encontro. Ela mapeou, em seu trabalho de conclusão da graduação, os caminhos do riacho na cidade; dez anos depois, em 2015, retomou o Pajeú como tema de mestrado nas artes, propondo recriações do riacho, entre as artes e as tecnologias. Na sua pesquisa analisou a força dos mapas e dos documentos oficiais históricos para afirmar ou invisibilizar o Pajeú, atribuindo-lhe diferentes valores e “lugares” na cidade, e lançou convites de atividades com o uso de tecnologias locativas para andanças pelo percurso escondido do riacho. Assim, na sensibilidade do pensamento em artes, contribuiu para fazê-lo reemergir do subterrâneo e de bueiros.
Enrico Rocha retomou os eventos do ano anterior, 2014, quando uma exposição de fotos e de objetos de moradores do Poço no Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Dragão propôs a comemoração simultânea dos 108 anos da comunidade Poço da Draga e dos 15 anos do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A despeito da proximidade física entre os dois espaços, o movimento dos moradores do Poço para o museu não se fazia frequente, e Enrico questionou os modos de se compreender e fazer arte, e a relação com os espaços da arte na cidade. Nos últimos quinze anos, os processos de invenção da cidade despontam como uma linha de força da arte contemporânea no Brasil e no mundo, e colocam as instituições de arte – ou seja, os espaços convencionais das artes – como focos de disputa política.(...)"
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¹ Texto de apresentação do ConversAÇÕES compõem o artigo “ConversAções: encontros entre as artes, a cidade e a universidade” de autoria de Deisimer Gorczevski e João Miguel Diógenes de Araújo Lima publicado na Revista Vazantes, v. 1 n.2 (2017). Mais detalhes estão disponível em:
http://periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/20499/30947
² No Blog da Pesquisa IntenCidades é possível encontrar o relato de Cecília Andrade sobre o encontro. Disponível em: <https://pesquisaintencidades.tumblr.com/post/132207364922/conversacoes-cecilia-andrade-pajeu>.