Na pesquisa¹ concebemos o “conversar”, as “conversações” e as “redes de conversação” no sentido de distinguir os espaços e as modalidades de expressão, circulação e partilha, considerando as conversações no âmbito das ações e relações entre acadêmicos e não acadêmicos, artistas e não artistas, oficineiros e não oficineiros. Uma de nossas referências para pensar em “redes de conversação” foram os estudos de Humberto Maturana, nesse caso, principalmente, sua teoria denominada Biologia do Conhecer (2001; 1999; 1995-1996). Nessa proposição, o autor analisa e conceitua o termo “conversar” como sendo o fluir que entrelaça o “linguajar e o emocionar” ² .
Segundo Maturana (1999, p. 168), “o que fazemos em nosso linguajar tem consequências em nossa dinâmica corporal, e o que acontece em nossa dinâmica corporal tem consequências em nosso linguajar”. Nesse entrelaçamento, o “emocionar” é concebido de modo a reafirmar a distinção da existência humana, acontecendo na “linguagem e no racional partindo do emocional” (MATURANA, 1999, p. 170). Na análise desse autor, “o ser humano adquire seu emocionar no seu viver congruente com o emocionar dos outros seres, humanos ou não, com quem convive” (p. 172). Ao considerar a “conversação” como um fluir em uma rede particular de linguajar e emocionar, o autor sugere a correlação entre múltiplos espaços de existência humana e a constituição de redes de conversação recorrentes. Esse estudioso visualiza todos os seres humanos acoplados a alguma rede de conversação e, na possibilidade de se validar essas proposições, concorda-se que existam distintas modalidades de conversação, sendo que dependem das emoções³, envolvidas, das ações coordenadas e dos domínios operacionais da práxis do viver em que têm lugar. Detalharemos, a seguir, alguns desses momentos propostos pelos participantes do projeto, em especial, as experimentações com o ConversAções.
Na concepção do projeto de pesquisa, as ruas chamavam, atraíam. O desejo de estar, brincar e inventar com as ruas era algo na ordem do compartilhado. Colocava-se, assim, como necessidade a realização de encontros para conversar, no sentido de dar voltas com colaboradores e convidados. Mas também buscávamos dar voltas com outros, que de algum modo percebíamos ao nosso redor, nas cercanias de nossa vizinhança, por realizarem ações semelhantes de pesquisa e intervenção nos espaços-tempos urbanos. Surgiram, então, as ConversAções: encontros para conhecer e conversar ao trazer processualidades de pesquisas e intervenções inter e transdiciplinares, sensíveis às questões que emergem das relações com conhecidos e estranhos na cidade.
As ConversAções constituem, assim, potentes encontros de convidados com um público participante, para instigar – este é o verbo que dá movimento às ConversAções – debates a respeito de práticas de ação e pesquisa com as artes que dialogam com a cidade, propondo intervenções. São convites ao encontro com as IntenCidades, que tomam corpo e inventam afetos.
As escolhas dos espaços [onde acontecem os encontros, em especial], os espaços não convencionais das artes receberam atenção especial justo por tornarem visíveis questões como [o apagamento ] e o descaso com os espaços públicos na cidade, questões que ardem em nós, pensando nas palavras de Mia Couto (2009) ao trazer o “homem visitador” que, como um Incendiador de Caminhos, cartografa, desenhando na paisagem a marca de sua presença. Escreve com fogo a narrativa que é seu trajeto e, assim, sobrevivemos como “[...] eternos errantes, caçadores de acasos, visitantes de lugares que estavam por nascer”(COUTO, 2009, p. 76).
EDIÇÕES
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¹ Texto de apresentação do ConversAÇÕES compõem o artigo “ConversAções: encontros entre as artes, a cidade e a universidade” de autoria de Deisimer Gorczevski e João Miguel Diógenes de Araújo Lima publicado na Revista Vazantes, v. 1 n.2 (2017). Mais detalhes estão disponível em: http://periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/20499/30947
2 Para esse pesquisador, “[...] estamos en el lenguaje cuando nos movemos en las coordinaciones de coordinaciones de acciones en cualquier dominio que sea. Pero, el ‘lenguajear’ de hecho ocurre en la vida cotidiana entrelazado con el emocionar, y a lo que pasa en este entrelazamiento llamo conversar. Los seres humanos siempre estamos en la conversacion, pero el lenguaje, como fenomeno, se da en el operar en coordinaciones de coordinaciones conductuales consensuales recurrentes. Lo que pasa es que nuestras emociones cambian en el fluir del ‘lenguajear’, y al cambiar nuestras emociones cambia nuestro ‘lenguajear’. Se produce un verdadero trenzado, un entrelazamiento de generación recíproca del ‘lenguajear’ y del emocionar”. Entrevista disponível em http://www.matriztica.org/. Acesso em 30 de novembro de 2004
3 Consideramos, com Maturana (1998, p. 15), que as “[...] emoções não são o que correntemente chamamos de sentimento. Do ponto de vista biológico, o que conotamos quando falamos de emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção,mudamos de domínio de ação”.